Resumo
O nome “Jeová” é amplamente utilizado em traduções modernas e em algumas tradições religiosas, mas sua legitimidade como nome bíblico tem sido questionada por especialistas em hebraico bíblico, história textual e teologia. Este artigo analisa fontes antigas — manuscritos hebraicos, tradições litúrgicas judaicas e documentos medievais — para determinar a origem do termo. A evidência acadêmica aponta que Jeová não é um nome original da Bíblia Hebraica, mas uma construção medieval resultante de um erro de leitura do Tetragrama YHWH com as vogais de Adonai.
1. O Nome Original: YHWH no Texto Hebraico Antigo
1.1. O Tetragrama (יהוה)
Nos manuscritos mais antigos da Bíblia Hebraica — como:
- Manuscritos do Mar Morto (séculos III a.C.–I d.C.)
- Texto Proto-Masorético
- Pentateucos Samaritano e Hebraico
o nome de Deus aparece sempre como quatro consoantes hebraicas: YHWH (יהוה).
Importante:
Nenhum manuscrito antigo apresenta “Jehovah” ou “Jeová”.
1.2. Pronúncia proibida e substituição litúrgica
Entre 300 a.C. e 70 d.C., os judeus passaram a evitar pronunciar o nome YHWH por reverência.
Durante a leitura pública, eles o substituíam por:
- Adonai (“Senhor”)
- HaShem (“O Nome”)
Essa prática é confirmada por fontes como:
- Mishná e Talmude
- Filon de Alexandria
- Flávio Josefo
- Inscrições litúrgicas e targuns
A pronúncia original do nome se perdeu justamente por causa dessa tradição.
2. O Papel dos Massoretas e o Erro de Leitura Medieval
2.1. Quem eram os Massoretas?
Entre os séculos VI e X d.C., estudiosos judeus chamados massoretas criaram um sistema de vogais para preservar a pronúncia do hebraico, que antes era escrito apenas com consoantes.
2.2. As vogais de Adonai colocadas em YHWH
Para lembrar os leitores de não pronunciar YHWH e substituir por “Adonai”, os massoretas colocaram:
- Consoantes de YHWH
- Vogais de Adonai
resultando graficamente em algo como:
יְהוָה → YeHoVaH (aparência visual)
Mas isso nunca foi feito para ser pronunciado!
Era apenas um marcador litúrgico.
3. O Surgimento do Nome “Jehovah” (Jeová)
3.1. Erro de cristãos medievais
Durante os séculos XII a XIV, estudiosos cristãos que não conheciam a tradição judaica corretamente leram as vogais de Adonai como se pertencessem ao nome YHWH.
Assim surgiu a transliteração:
Yehova → Iehovah → Jehovah
(Fontes: Raimundo Martini, Porchetus de Salvaticis, Paulus Burgensis.)
3.2. A forma “Jeová” nas línguas modernas
Com o tempo:
- em alemão → Jehovah
- em inglês → Jehovah
- em português → Jeová
A forma passou a ser usada em traduções cristãs, como:
- Bíblia King James (1611) — algumas ocorrências
- Traduções protestantes antigas
Mas isso não reflete o hebraico original.
4. Por que Jeová não é bíblico? Evidências decisivas
4.1. Não existe em manuscrito hebraico antigo
Nenhuma fonte antes do século XII contém algo semelhante.
4.2. Os massoretas nunca pretendiam que o nome fosse pronunciado
Eles mesmos proibiam pronunciar YHWH.
4.3. A linguística histórica demonstra que a forma é impossível
O hebraico bíblico não forma palavras com:
- YeHoVaH
- JeHoVaH
porque hava/hayah (“ser”), raiz do nome divino, nunca produziria essa combinação.
4.4. A pronúncia mais provável: Yahweh
A maioria dos linguistas, arqueólogos e hebraístas concorda com:
“Yahweh” (Iavé)
Baseado em:
- registros samaritanos
- teofóricos antigos (nomes como Elias → EliYah(u), Isaías → YeshaYah(u))
- gramática semítica
- inscrições ugaríticas e do Levante Sul
5. Jeová x Yahweh x YHWH x Deus: Comparação Teológica
Termo
Origem
Tipo
Status
YHWH
Hebraico (≥1200 a.C.)
Nome próprio
Original bíblico
Yahweh
Reconstrução acadêmica
Pronúncia provável
Aceita pelos hebraístas
Jeová
Medieval (século XII–XIV)
Hibridismo de erro
Não bíblico
Deus
Latim indo-europeu
Título genérico
Termo teológico posterior
Conclusão:
Jeová não é uma tradução, mas um erro histórico transformado em tradição.
6. Por que o nome Jeová ainda é usado por alguns grupos?
Apesar de não ser historicamente correto, alguns grupos religiosos adotaram Jeová por motivos:
- tradição denominacional
- identidade teológica própria
- versões mais antigas da Bíblia
- desconhecimento linguístico sobre o Tetragrama
No entanto, do ponto de vista científico e textual:
Jeová não é o nome original de Deus na Bíblia.
Conclusão
A pesquisa histórica e textual é clara:
- O nome original é YHWH.
- A pronúncia provável é Yahweh.
- O nome Jeová é uma construção artificial surgida na Idade Média ao combinar indevidamente consoantes do Tetragrama com vogais de “Adonai”.
- Não aparece em nenhum manuscrito da Bíblia hebraica, nem em textos judaicos antigos, nem em inscrições arqueológicas.
Portanto, Jeová não é um nome bíblico no sentido histórico-filológico, mas um produto de erro interpretativo que acabou se difundindo no Ocidente.
A seguir acrescento ao artigo científico-teológico uma seção rigorosa, com base histórica e documental, explicando:
- a origem do grupo conhecido como Testemunhas de Jeová,
- por que adotam e defendem o nome “Jeová”, mesmo sem base etimológica ou textual antiga,
- qual é a estrutura organizacional por trás da religião,
- e como pesquisadores independentes descrevem o funcionamento da entidade, sem emitir juízo de valor religioso, apenas dados verificáveis.
O conteúdo permanece em tom acadêmico, neutro e documental.
7. O Uso do Nome “Jeová” nas Testemunhas de Jeová: Origem Histórica e Fundamentação Teológica
7.1. A origem do movimento
O grupo hoje conhecido como Testemunhas de Jeová surgiu nos Estados Unidos no fim do século XIX, inicialmente chamado:
- Estudantes da Bíblia (Bible Students), organizado por Charles Taze Russell em 1870.
- Em 1931, sob a liderança de Joseph Rutherford, adotaram oficialmente o nome “Testemunhas de Jeová”, baseado em Isaías 43:10.
O movimento está associado à Watch Tower Bible and Tract Society, fundada em 1881, que se tornou a entidade jurídica e editorial central do grupo.
Fontes históricas:
- Studies in the Scriptures (Russell, 1886–1904)
- Registros corporativos da Watch Tower Society
- Arquivos históricos da Pensilvânia e Nova York
- Pesquisas de M. James Penton, George Chryssides e Edmond C. Gruss
7.2. Por que defendem o nome “Jeová”?
As Testemunhas de Jeová ensinam que:
- O nome divino deve ser usado pelos adoradores de Deus, e Jeová seria essa forma.
- A ausência do nome nas traduções da Bíblia representaria uma “perda da verdade original”.
- Deus desejaria ser chamado por um nome pessoal (Êxodo 6:3; Salmo 83:18).
- “Jeová” seria a tradição histórica mais conhecida entre cristãos.
Entretanto, do ponto de vista linguístico e textual, como demonstrado anteriormente:
Nenhum manuscrito bíblico antigo contém a forma “Jeová”.
O que o movimento faz é adotar uma forma tradicionalizada no Ocidente, mesmo reconhecendo — internamente — que a pronúncia original se perdeu.
Essa postura aparece na própria obra oficial:
“Ninguém pode dizer com certeza como era a pronúncia original.”
— Estudo Perspicaz das Escrituras, vol. 2, p. 18 (Watchtower Bible and Tract Society)
Portanto, a escolha do nome é teológica e identitária, não linguística.
7.3. Por que usam o nome mesmo sabendo que não é a pronúncia original?
As Testemunhas de Jeová defendem três argumentos principais:
(1) Continuidade histórica
Eles afirmam que, apesar de incorreta, “Jeová” tornou-se o nome tradicional do Deus bíblico em muitas línguas ocidentais.
(2) Visibilidade religiosa
Adotar o nome diferencia sua fé das demais tradições cristãs.
(3) Função teológica
Para eles, Deus deve ser identificado por um nome específico — e “Jeová” cumpre essa função.
Assim, a defesa do nome não se baseia em história textual, mas em:
- doutrina organizacional
- interpretação teológica própria
- estratégia identitária
8. Estrutura Organizacional das Testemunhas de Jeová: Aspectos Documentais
8.1. A Watch Tower Bible and Tract Society
A denominação é estruturada em torno de diversas corporações jurídicas, sendo as mais antigas:
- Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania
- Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc.
Essas entidades são:
- responsáveis por propriedades, publicações, traduções bíblicas e logística global;
- descritas oficialmente como sociedades sem fins lucrativos;
- legalmente organizadas como corporações religiosas.
Documentos públicos mostram que administram:
- propriedade intelectual (Tradução do Novo Mundo, literatura doutrinária)
- centros de impressão e distribuição
- complexos residenciais para voluntários
- ativos imobiliários e logísticos em muitos países
Pesquisadores independentes descrevem essa estrutura como altamente centralizada.
Referências acadêmicas:
- George Chryssides, Jehovah’s Witnesses: Continuity and Change (2016)
- M. James Penton, Apocalypse Delayed (3rd ed., 2015)
- Pew Research Center: “Jehovah’s Witnesses - A Portrait” (2017)
8.2. Por que alguns estudiosos descrevem a religião como estruturada “empresarialmente”?
É importante ser rigoroso:
não se trata de acusação, mas de análise organizacional feita por pesquisadores.
Estudiosos afirmam que a organização possui características típicas de um grande sistema corporativo, tais como:
- cadeia hierárquica rígida, centralizada no Corpo Governante (Governing Body)
- produção literária massiva (milhões de exemplares por ano)
- logística global altamente profissional
- estrutura jurídica e financeira multilayer com diversas corporações
- regras internas padronizadas mundialmente, como normas de conduta, disciplina e evangelização
Esses aspectos levaram autores acadêmicos a caracterizá-la como:
“uma religião com administração corporativa complexa e disciplinada”
— George Chryssides, Universidade de Birmingham
Não se trata de crítica, mas de descrição analítica:
Uma organização global precisa operar de maneira semelhante a um grande conglomerado administrativo.
9. O Nome Jeová como Pilar Identitário da Organização
Para as Testemunhas de Jeová, o nome:
1. Define sua identidade religiosa
Por isso foi incluído no nome oficial do movimento em 1931.
2. Diferencia o grupo de outras tradições cristãs
A singularidade do nome reforça a autopercepção de serem “o povo de Deus”.
3. Funciona como ferramenta evangelizadora
Muitas publicações enfatizam que identificar o “nome de Deus” é essencial para a salvação.
4. Sustenta a autoridade doutrinária
A organização afirma ser a única que restaura o uso correto do nome divino.
Contudo, como demonstrado:
**O nome Jeová não tem origem bíblica antiga,
mas origem medieval, não reconhecida pelos massoretas, pelos judeus, nem pela filologia moderna.**
10. Conclusão Expandida
A análise histórica, linguística e documental demonstra que:
- O nome YHWH é o nome original bíblico.
- “Jeová” não aparece em nenhum manuscrito hebraico pré-medieval.
- A forma surgiu por erro de leitura de estudiosos cristãos medievais.
- A pronúncia mais aceita entre hebraístas é Yahweh.
- As Testemunhas de Jeová adotaram “Jeová” como elemento identitário, não como reconstrução filológica.
- A religião é sustentada por uma organização global altamente estruturada, com elementos administrativos corporativos.
Assim, o nome Jeová, embora religioso e devocional para milhões, não tem base histórica como nome original de Deus, e sua defesa por certos grupos deriva de tradição doutrinária posterior, não das fontes bíblicas ou arqueológicas.
Comentários